Sobre a exposição “A irmã de São Cosme e São Damião” de Dalton Paula. Galeria Alfinete – Brasília, 2016.
Sombra-irmã, guarda e esconde; permeia o silêncio da história contada por Dalton Paula em seus alguidares que ofertam imagens-ilha por entre as quais navega-se. Mergulho profundo na sombra transposta para o espaço, o nem-sempre-branco cubo branco. O arquipélago de argila flutua na galeria-sombra onde é preciso abaixar-se para que o olhar possa aportar em cada uma das imagens. É preciso ajoelhar-se diante da solidão da imagem, que traz, sob os holofotes da galeria, crianças, ambulantes e policiais: escravos e santos, escravas e santas. A imagem-doce é amarga. Divindades solapadas pela aridez do cotidiano. E como se fosse possível transpor para o espaço um sentimento, em determinado ponto da galeria estamos parcialmente escondidos pelas pilastras que ferem o percurso ondular, interceptam a navegação – lá onde os alguidares abaulam as arestas. Cosmos e dama. Arranjo de escala e oposição. Do espaço para o suporte e sua forma específica de portar as imagens. Do percurso na galeria para a singularidade de cada imagem. O suporte-ninho carrega a memória frágil, embala a história não-oficial, quase sem referências de um cotidiano que tem sua origem na diáspora negra. A imagem porta passado e presente. Dalton Paula dispõe suas imagens rearranjando a memória como trajetória, somos nós quem aportamos nelas, são elas que embalam sua própria origem. O suporte oferta mas é preciso saber receber as imagens como possibilidade de enxergar o que a representação carrega. Por um momento, é preciso que o olhar possa tornar-se o próprio suporte, que ele porte aquilo que viu, que ele também carregue a imagem e possa dosar o conforto que embala as dores do mundo.